Algum lugar na estrada, 30.01.19, 19:31
Viagem de dois dias.
Primeira constatação: o ônibus não tem usb.
Meu celular tinha 51% de bateria. Um leve desespero. Fechei todos os
aplicativos abertos e coloquei no modo avião. Desde ontem ninguém tem sinal de mim.
“Boa
tarde, senhores passageiros, meu nome é Carlos Alberto e eu serei o motorista
de vocês até Caxias do Sul no Estado do Rio de Janeiro. O nosso trajeto juntos
será de aproximadamente oito horas, faremos algumas paradas para embarque de
mais passageiros e mais duas paradas para lanche e banheiro”.
Aquele foi o primeiro desses vários avisos
que aconteceriam durante a jornada. Depois do seu Carlos Alberto, veio o seu
João Manuel, o seu Francisco Matias e vários outros cujos nomes acabo de
inventar (Engraçado, nunca tem nenhuma motorista mulher). Do meu lado, uma
senhora que cuidava de duas outras senhoras mais velhas que ela, acho que uma
era a mãe, a outra era a tia. O meu assento era o do corredor, o dela, da
janela. Isso implica no fato de que a cada minuto ela se levantava e me pedia
licença para ajudar as outras senhoras. Propus trocarmos de lugar. Trocamos.
Achei bom. Ao lado da janela pode se encostar mais a cabeça e claro, acompanhar
a vista e as mudanças de paisagem.
Na bolsa que carrego ao meu lado tem:
Um
livro.
Um
pacote com seis sanduiches feitos na véspera da viagem.
Três
goiabas
Duas
maças verdes (muito, muito azedas)
Um
pacote de biscoito belvita
Uma
garrafa grande de água.
De
todos esses itens agora, na verdade, só restam duas goiabas. E o livro. Não
comi o livro. Guimarães Rosa com Riobaldo e Diadorim estão sendo minhas
companhias durante essa aventura. ‘Aventura’ essa que está consistindo
basicamente em alternar entre ler, escutar musica, comer, ver a paisagem e
pensar na vida. Os momentos de musica precisam ser especiais, o celular agora
só tem 11% de bateria. Desespero de novo.
Essa
é a viagem mais longa que já fiz. Viagens longas nos dão tempo de sobra para
refletir. Já tive pensamentos vagos, rasos e outros fortes, profundos.
O ônibus
está cheio, mas nem tanto. A grande maioria dos passageiros são idosos. Tem
duas crianças, não tem bebês. Graças a deus não tem bebês! Nada contra bebês,
mas viajar com bebês é diferente. É uma tortura. Escuto papos aleatórios nas
poltronas ao meu lado. Eles discutem quanto tempo falta para chegar. Tem um
senhor sem-noção. Ele escuta a radio no celular sem o fone de ouvido. Para mim,
todas as pessoas que escutam algo alto quando tem mais outras pessoas ao lado
dela que não são obrigadas a escutar o que ela quer, todas essas pessoas não têm
noção. Esse senhor não tem. Chiei. Ele desligou.
Todos
aqui concordamos em um ponto: o ônibus para demais! É o chamado pinga-pinga,
sabe? É raro uma hora em que não haja pausa. São pausas que alternam entre 15,
20 e 30 minutos. A viagem poderia ser reduzida em no mínimo umas cinco horas se
não se parasse taaanto.
Trouxe
comigo uma caixa de dramim na ilusão de que apagaria depois que tomasse o
primeiro comprimido. Mera ilusão. Não enjoei, mas também não dormi o tanto que
queria. De madrugada uma senhora ao meu
lado passou mal. Foi linda a trilha sonora dela vomitando no caminho (isso
contém ironia!). Ofereci um dramim, ela falou alguma coisa que não entendi e
recusou. O estrago já estava feito mesmo, não é...
Na
hora do almoço, a maioria sacou das mochilas marmitas entupidas de comida.
Comida pesada mesmo: carne, arroz, feijão, macaxeira... O ônibus ficou super
cheiroso. Isso também contem ironia.
Duas
das milhares pausas foram para limpar o banheiro. Necessário. Depois de um
tempo sem lavar se sente o odor. Definitivamente não gostaria de estar nas
poltronas mais atrás.
As
recomendações que tenho para dar até agora são:
Tenha consigo lanches leves
Tenha um carregador portátil!
Tome dramim
Tome água
Tenha um cobertor
Não viaje perto do banheiro
Não esqueça o fone de ouvido
Leia um livro.
Restam
agora só mais algumas horas para chegar ao meu destino. A viagem de dois dias
me faz criar expectativas. Chegar em casa e tomar café com tapioca e queijo
coalho com a família reunida está sendo agora a maior delas. Agora vou tomar
outro dramim, na esperança de não enjoar, apagar e acordar na minha terrinha.